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Então eu peguei amigdalite (ou amidalite - porque, nesse ponto, o G não faz a menor diferença). O termômetro marcava uns trinta e nove ponto quatro e eu já tinha desistido de lutar quando o celular me despertou do meu transe.
- E aí, garganta purulenta? - saudou-me Patricia, minha prima, sempre muito delicada.
- Eu não vou conseguir, você vai ter que me sacrificar.
- Ah, é? Você não achou ruim quando tava pegando.
- Pegando quem?
(pequena pausa)
- Amigdalite...
- Eu quero ser congelada em nitrogênio líquido até acharem a cura disso.
- Você sabe que já acharam tem algum tempo, né?
- É, mas ela tá looonge. Eu vou ter que ligar pra farmácia e pedir. Eu vou ter que levantar da cama, ligar o computador e descobrir o telefone da farmácia.
- Como assim, você não tem aqueles ímãs de geladeira com os números?
- Você quer que eu vá até a cozinha? No meu estado? Você não tem coração?
- Ok, eu descubro o número pra você.
- Era só isso que eu precisava ouvir.
(pausa longa)
- Bom, anota aí então...
- Lembra quando eu tinha cinco anos e tive aquela febre de quarenta graus? Eu comecei a ver os marinheirinhos do meu lençol marchando pelo quarto, mó doideira...
(pausa muito, muito curta)
- Isso foi semana passada, quando você estava chapada.
- Ah... Tem certeza? Eu poderia jurar que foi quando eu tinha cinco anos...
- Vai querer o número ou não?
- Não sei. Seria legal ver os marinheirinhos outra vez.
- Tá bom, eu ligo e peço pra você. Qual é o seu endereço mesmo?
- E o mais engraçado é que eles não tinham rosto. Tinham só uma bola amarela, sem olhos, sem boca, sem nada...
- Puta merda, eu mereço...
- E, mesmo assim, eles andavam em linha reta pela escrivaninha e se jogavam...
(silêncio sepulcral)
- Marinheirinhos espertos... - ela concluiu, meio psicótica.