1 - O Bundudo Não via o sujeito há meses. Talvez mais de um ano. Lembrava dele como o cara bonitinho, inteligente e um pouquinho arrogante, mas não muito. Só o suficiente para me provocar. Já havia saído com ele em outras ocasiões mas, por alguma razão, paramos de nos ver. De qualquer forma, eu estava bastante ansiosa.
Quando cheguei ao bar, ele já estava sentado, me esperando. Levantou-se para me cumprimentar, mas eu estava tão daquele meu jeito tenso-nervoso-histriônico que nem tive a oportunidade de dar uma checada no rapaz. Apenas me sentei diante dele e desatei a falar.
Já estava me acalmando e quase não sentia mais meu rosto queimar, provavelmente por estar super vermelho, quando ele se levantou novamente, dessa vez para ir ao banheiro. Foi aí que eu vi. Aquela coisa enorme, desproporcional, monstruosa, olhando pra mim, tentando me intimidar.
A bunda assassina.
- Já volto - ele disse. Mas por um segundo achei que tinha sido a bunda.
- Tá bom - respondi, com o sorriso mais difícil que já me forcei a dar.
Estava petrificada. Que caralhos? Ele não era gordo, estava exatamente como eu me lembrava. Gatinho! De onde tinha vindo aquele anexo? Aquele irmão siamês em forma de nádegas?
Peguei meu celular no instante em que o vi fechar a porta do toalete masculino.
- Que caralhos? - reclamei com uma amiga - A única vantagem é que se ele me der um fora, a imagem dele indo embora vai me lembrar do lado bom de estar terminando.
Ao vê-lo voltando para a mesa, tentei disfarçar:
- Não, eu não estou interessada em fazer um seguro de vida. Eu sinceramente acredito que sou imortal - e desliguei. - Telemarketing - disse, justificando a ligação.
- No sábado à noite?
- Pois é. Um absurdo.
- Eles são uns bundões mesmo.
Segurar o riso agora foi tão dificil quanto forçar aquele sorriso alguns parágrafos acima.
- É,
eles são...
Silêncio.
- Olha, Natalia, não precisa disfarçar. Eu sei o que você tá pensando.
- Sabe?
- Sei. Você provavelmente está se perguntando o que caralhos aconteceu com a minha...
Ai meu deus.E, do nada, eu juro pra vocês que todo mundo no bar começou a bater nas mesas com os punhos fechados gritando: Bunda! Bunda! Bunda!
- ...namorada - ele completou, dando fim a minha breve alucinação.
- Oi? - perguntei, confusa.
- Você sabe, eu comecei a namorar no ano passado, por isso eu e você paramos de sair.
- Ahh. Claro. Era isso que eu estava me perguntando - disse, sem conseguir olhar nos olhos dele.
- A gente terminou há duas semanas. Não tava mais dando certo. Eu mudei muito. De uns tempos pra cá, eu tenho sentido essa coisa crescendo dentro de mim, sabe, uma coisa pesada, uma...
De novo não...- Bunda! Bunda! Bunda! - gritavam os outros clientes, batendo na mesa em uníssono, enquanto eu respirava fundo, tentando me concentrar na conversa.
- ... sensação de que o tempo está passando e eu estou deixando de viver as coisas, sabe?
- Sei, super chato quando essas coisas acontecem. Escuta, você quer pedir alguma coisa? Uísque, tequila? Absinto?
- Nossa, alguém tá animada hoje, hein? - ele comentou, fazendo um gesto para o garçom se aproximar.
- Sim, qual é o pedido?
- Por mim, eu dava uma beliscada em alguma coisa - ele disse. - O que você recomenda?
- Que tal uma bunda, senhor? - o garçom sugeriu.
- Como é que é? - questionei, um pouco ofendida.
- Bunda - respondeu o bundudo, me mostrando o cardápio.
Minha vista embaçou e comecei a sentir uma tontura. No cardápio inteiro estava escrito Bunda, Bunda, Bunda. Olhei para o garçom e ele perguntou, em tom normal:
- Bunda bunda bunda bunda?
Olhei para o bonitinho bundudo e ele dizia, tranquilamente:
- Bunda, bunda, bunda...
De repente, todos a minha volta estavam falando em
bundês. Conversavam entre si, riam, trocavam declarações. Não importava o assunto, a única palavra que eles pronunciavam era bunda.
Pus as mãos sobre a cabeça e respirei fundo novamente, esperando que aquilo passasse. Mas não adiantou. Impaciente, tentei gritar "basta", mas o que saiu foi:
- Bunda!
Em pânico, levantei da cadeira e continuei a falar, na esperança de reassumir o controle da situação:
- Bunda bunda bunda bunda bunda bunda...
Quando me dei conta, todos no bar estavam em silêncio, olhando para mim. Imediatamente parei o que estava fazendo, olhei para o meu decote e arrisquei:
- Peito?
Por alguma razão, depois desse encontro, o bundudo nunca mais me ligou.