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terça-feira, 24 de novembro de 2009

As Sapatilhas de Pano e Os Cinco Estágios do Sofrimento na Fila


Já era meia-noite e meu pé balançava inquieto, como se estivesse soando as doze badaladas antes de eu virar abóbora. Eu estava num bar com alguns amigos, relutante quanto à oferta de ir a uma boate na Lapa.
“Mas por que não?”, alguém perguntou.
“Porque é uma BOATE na LAPA”, respondi. Tem coisas na vida que você sabe que não vão dar certo. Como mergulhar de cabeça numa cachoeira ou correr a cavalo perto de uma quadra de vôlei. E eu já fiz todas essas. Inclusive a Lapa, que acredito ter sido a pior.
“Ah, deixa de ser velha”, disse a Roberta, uma amiga que eu acharia ótima, não fosse pela mania irritante de dar bom dia para as pessoas mesmo quando já é noite. “Vai que você conhece alguém”, ela completou.
Vai que, né? Esse sempre foi meu lema. Vai que eu conheço alguém assim por acaso e acaba dando certo? Pena que até a presente data, nunca foi que.
“Não dá, eu tô usando minhas sapatilhas de pano”, argumentei, enquanto todos me olhavam impassíveis, esperando o punchline de uma piada que não existia. “Sério, gente, minhas sapatilhas de pano”, repeti, mostrando a eles o objeto em questão.
Não dá para ir a uma boate na Lapa com sapatilhas de pano. Aliás, não dá para ir a lugar nenhum na Lapa com sapatilhas de pano. A Lapa é um lugar que está sempre molhado, misteriosamente molhado, mesmo quando não chove. E, além disso, as pessoas são irracionais quando se aglomeram. “Elas podem pisar ou derramar bebida nas minhas sapatilhas de pano”, tentei explicar.
“Quanto você pagou por essas sapatilhas? Foi tão caro assim?”
“Isso não tem a ver com o preço...Roberta. Você não entende...elas...elas são de bolinha”, respondi. “E nada no mundo vai me fazer arriscar o bom estado delas para ir a uma boate na Lapa.”

CORTA PARA:
Eu e meus amigos entrando em uma boate na Lapa.
Puta que pariu, pensei. Quando foi mesmo que eu concordei em vir pra cá?

FLASHBACK – 15 MINUTOS ANTES:
Eu e meus amigos bebendo tequila.
“Arriba, abajo, al centro e adentro.” (3X)

VOLTA PARA:
Boate na Lapa.
Ah, é.

Fazia um certo tempo que eu não frequentava aquele tipo de ambiente inóspito. Quer dizer, um lugar lotado, obviamente acima da capacidade permitida ou mesmo humanamente tolerável. Quente como o inferno, poças de lama em vários trechos dos supostos dois ambientes que na verdade são a mesma coisa e se chamam Auschwitz. Aliás, pensando bem, são dois ambientes sim: o primeiro é o trem para Auschwitz, lugar apertado, abafado, onde as pessoas se locomovem rumo a um outro lugar, achando que as coisas vão melhorar, mas quando chegam lá, fodeu, é Auschwitz. E aí todas tentam pegar o trem de volta ao mesmo tempo, numa movimentação constante que dura a noite toda. Boate é isso, gente.
Eu queria ir embora assim que cheguei, mas fui sumariamente impedida. “Nada disso, você vai ter que se divertir”, disse Roberta.
Olha, eu até entendo “você vai ter que comer mais frutas e legumes”, “você vai ter que praticar algum tipo de atividade física” e até mesmo “vocês vão ter que me engolir”, exceto se isso for dito num contexto muito específico, aí eu já acho compulsório demais e desaprovo. Mas “você vai ter que se divertir”, eu simplesmente não entendo. Não faz sentido nenhum. Diversão é uma das poucas coisas que não tem como você fazer por obrigação. Senão vira exatamente o contrário.
Mas eu tentei. Olhei para todas aquelas pessoas suadas, esbarrando em mim e derramando bebida nas minhas sapatilhas de pano e pensei: essa gente não é insuportavelmente detestável, eu é que ainda não bebi o suficiente. Tendo concluído isso, bebi mais duas tequilas e parti feroz para a pista de dança.
Estava tocando James Brown, então resolvi dar uma chance. Aí tocou Prince, depois Michael Jackson e depois um cara vomitou nas minhas sapatilhas de pano e as coisas começaram a ficar bem ruins.
Decidi ir embora, acreditando que tudo ficaria melhor assim que eu deixasse aquela região infernal. Depois de muito tempo na fila do banheiro, para limpar as sapatilhas, tive que encarar a fila monstruosa para pagar e finalmente recuperar a minha liberdade, que me fora tomada no instante em que adentrei aquele lugar escabroso.
Só que a fila não andava. Não havia o que fazer além de esperar e sofrer. Foi aí que eu dei início aos cinco estágios do sofrimento...na fila:

1 – Negação

É claro que a fila vai andar, pensei. Deve ser algum tipo de pane no sistema. Pane rápida. Tenho certeza de que tem gente competente resolvendo isso e daqui a pouquinho essa fila vai começar a andar.
E as minhas sapatilhas de pano, refletia, enquanto as observava, tenho certeza de que essas manchas de vômito saem fácil. Aliás, de repente não é nem vômito. É só algum tipo de líquido pastoso e quente de coloração ocre que alguém derrubou em mim.
E essas pessoas aí entrando na minha frente não estão furando fila, elas só estão conversando com os amigos que resolveram ir embora mais cedo, repetia para mim mesma, enquanto via uma gorda tentando escamotear o meu lugar na fila. Ela usava um vestido metade preto metade branco, cuja fronteira se localizava precisamente no meio dos peitos, gerando uma espécie de ilusão de ótica que, somada à dobra lateral provocada pela bolsa atravessada no torso, dava a impressão de que ela tinha cinco tetas. Tenho certeza de que ela vai sair daí. Gordos têm senso de cidadania.

2 – Raiva

“Não é possível uma coisa dessas! Olha a palhaçada aí, segurança!”, reclamei, apontando para as pessoas que se infiltravam na fila.
“Ah, ele é seu amigo?”, questionei. “Caguei, minha filha! Na minha frente você não vai entrar!”, impus, educadamente. “Sou barraqueira mesmo, e aí, vai bater?”, provoquei, enquanto a interlocutora me ameaçava dizendo que era maior do que eu.
“Não, querida, você não é maior do que eu, você só é muito gorda. E eu sinceramente acho que você deveria parar de dizer isso para os outros como se fosse uma vantagem”, rebati.
“Preconceituosa, eu? De jeito nenhum. Não tenho nada contra os gordos, eu só torço pelos mais fracos. No caso, a comida”, encerrei, tentando memorizar a piada para escrever no blog depois.
“Aí, alguém segura a gorda que ela ficou nervosa.”

3 – Barganha

Já sei, já sei, resolvi. Eu chamo o segurança, peço para ele ir lá na frente pagar minha comanda e dou uns vinte reais por fora, concluí brilhantemente. Pena que eu só tinha dinheiro suficiente para o táxi e ia pagar a comanda com o cartão. Suborno aceita Visa Electron?, especulei. Se a minha mãe estivesse lá, ela diria que é exatamente por causa de situações assim que eu deveria andar sempre com dinheiro na carteira. Mas, por outro lado, se minha mãe realmente estivesse lá, estar ou não com dinheiro na carteira seria o menor dos meus problemas.
“Ei, amigo”, chamei o segurança. Um negão enorme de bigode e terno preto. Êêê, feliz dia do Zumbiii, cogitei dizer, mas conclui que aquela provavelmente não seria a melhor maneira de conquistar a simpatia dele.
Eu não tinha dinheiro nenhum, por isso fiz a coisa mais baixa que alguém poderia fazer.
“Então, sabe aquele programa de TV que passa sábado à noite?”, perguntei.
“A Fazenda?”, ele arriscou, completamente desinteressado.
"Não, não. No outro canal”, respondi, um tanto decepcionada.
“Eu não assisto muito TV."
“Ok, esquece. Vamos acabar com isso logo. Escolhe um peito”, propus. Mas ao vê-lo com a cara toda retorcida, decidi mudar a estratégia.
“Olha só, meu vestido é meio curto e eu vi pessoas da Uniban nessa fila. Acho melhor alguém me escoltar até lá fora.”

4 - Depressão

Tá, sério, minha vida é patética, pensei, enquanto via a gorda de cinco peitos beijar o namorado vesgo dela. Eu supus que fosse vesgo porque ele estava de frente para a gorda e um dos olhos - só um mesmo - virava quase noventa graus na minha direção. Mas de repente era só um jeito muito peculiar e sobre-humano de flertar.
De qualquer forma, ao menos eles tinham um ao outro. Eu não. Eu não tinha ninguém. Eu estava há uma hora naquela fila, sozinha, bêbada e com minhas sapatilhas de pano vomitadas. Naquele momento, minha vida parecia mesmo extremamente patética e por um segundo eu desejei ser aquela gorda pentatetas de vestido preto e branco beijando o cara vesgo. Mas só por um segundo. Depois eu bati três vezes num banquinho de madeira.

5 – Aceitação

Ah, o que é um vomitozinho no pé e uma hora de fila quando a gente está se divertindo, né não, minha gente? Diversão é isso. E tudo tem seu preço. No meu caso, o preço foi uma entrada, mais cinco tequilas, um par de sapatilhas de pano e a minha dignidade.

Semana que vem tem mais. Porque a gente TEM que se divertir.

NOTA MENTAL: Incendiar a Lapa. Arranjar novos amigos.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Da Série: Psicose Épica


Tenho evidências de que haverá outros

Afetivamente falando, sempre fui meio retardada. Passei todos os anos da escola tendo romances imaginários com garotos que provavelmente nunca trocaram mais de três palavras comigo (sendo que uma delas devia ser meu apelido, que eu odiava).
Meu primeiro beijo foi aos quinze, um atraso de pelo menos três anos em relação a quase todas as minhas amigas. Incluindo aquela dentucinha de aparelho que andava curvada para frente e que eu nunca achei que fosse ficar com alguém antes de mim.
Aos quinze anos, eu dava início a minha vida afetiva no mundo real, fora da minha cabeça e das fantasias meticulosamente arquitetadas ao longo dos anos.
O rapaz em questão era irmão da minha melhor amiga da época, e se chamava... bem, vamos chamá-lo de Evidência nº1.

Evidência nº1
Oito anos mais velho que eu. Foi, sem dúvida, meu primeiro amor. Ou melhor, minha primeira fixação. Fui secretamente apaixonada pelo rapaz por cerca de um ano. Passava finais de semana inteiros na casa dele, em frente à praia. Era uma cidade pequena e tudo fechava cedo. Então pássavamos a noite jogando cartas, vendo filmes ou só conversando. Várias vezes fiquei sozinha com ele enquanto todos na casa dormiam. Mas nada acontecia, nunca. E quando algo estava bem próximo de acontecer, quando não restava mais nada além de um grande silêncio, daqueles bem convidativos, que praticamente equivalem a uma placa em neon dizendo "Beija! Beija!", quando tudo estava a meu favor, eu simplesmente entrava em pânico e fugia. (Fugia no sentido figurado, tá? Eu juro que não saía correndo pela casa gritando feito uma pudica molestada.) Eu inventava uma desculpa qualquer e ia embora.
Mas numa certa noite aconteceu. Meu primeiro beijo. Lembro como se fosse hoje, foi um dia 12 de junho. Eu estava nervosa, tinha medo de que tudo que acontecesse dali para frente fosse aquém das minhas expectativas. Confrontar a realidade implicava na iminência de destruir o que já era perfeito nas minhas fantasias.
Não deu outra. Na semana seguinte, quando cheguei na casa da minha amiga, lá estava ele com uma garota. Não era exatamente bonita, mas também não posso dizer que era feia. Era uma garota. Outra que não eu.
Mais tarde ele disse que gostava muito de mim, mas não queria se envolver com ninguém - frase que eu viria a ouvir mais algumas vezes ao longo da minha vida afetiva.
Arrasada e sem nada para fazer nos finais de semana seguintes, resolvi me inscrever num curso que iria ocorrer aos sábados e domingos, durante dois meses. Foi lá que conheci aquele que chamarei de Evidência nº2.

Evidência nº2
Depois de um ano completamente obcecada pelo irmão da minha melhor amiga, jamais pensei que iria conhecer alguém novo tão rápido. E foi muito rápido. Depois do primeiro fim de semana com ele, eu tinha certeza de que estava fodida. De novo.
Em pouquíssimo tempo, já havia mudado o objeto das minhas fantasias. Ao término daqueles dois meses de curso, a Evidência nº2 passou a ocupar de maneira plena o espaço deixado pelo seu antecessor. Só que, mais uma vez, platonicamente.
Lembro de estar numa festinha com ele e milhões de placas em neon piscando "Beija logo, caralho". E nada. Primeiro porque eu não calava a boca. Não sei se vocês sabem, mas eu tenho uma habilidade extraordinária de tagarelar por horas. Hoje em dia, eu uso esse know-how para enrolar os caras durante primeiros encontros desinteressantes. Só que, na época, era uma defesa. Eu morria de medo do que poderia acontecer quando tudo o que eu havia imaginado virasse realidade. Eu preferia que não virasse. No fundo, eu sabia que os romances inventados na minha cabeça eram insuperáveis.
Só fui reencontrar a Evidência nº2 alguns meses depois. Mas, àquela altura, ele não estava mais sozinho. Carregava uma baixinha de cabelos encaracolados a tiracolo. Bonita. Quer dizer, inha. Bonitinha. Era tudo que ele precisava para se tornar minha nova obsessão: ser inatingível.
De qualquer forma, nos meses que se seguiram, passei a explorar novos horizontes. Coincidentemente, foi na mesma época em que abriram umas boates novas na cidade e eu comecei a experimentar bebidas com teor alcóolico mais relevante.
Quando eu conhecia alguém nessas circunstâncias, não havia nenhum tipo de expectativa. Era tudo mais leve e fácil. E acabava ali. Tanto que, para garantir que o caso não se estendesse, eu fazia questão de dar o número errado. Ou desligar o celular no dia seguinte. Qualquer coisa que evitasse uma aproximação maior. Vez por outra, eu esbarrava com a Evidência nº2.
Levou dois anos para que algo finalmente acontecesse entre nós. Estava esperando um táxi em frente a um teatro quando ele parou ao meu lado e perguntou:
- Quando é que você vai sair comigo?
Congelei por alguns segundos. Com o olhar ainda fixo na parede descascada da casa em frente, eu respondi:
- Se você não estiver namorando a baixinha, amanhã - concluí, sentindo meu rosto ficar cada vez mais quente.
- Eu não estou namorando ninguém - ele rebateu, sorrindo.
Virei meu rosto uns trinta graus em direção a ele, só para conseguir vê-lo. Sorri de volta. Mas antes que tivesse chance de tomar qualquer iniciativa, meu táxi chegou.
- Me liga - eu disse, me dirigindo ao carro.
- Eu não tenho seu telefone - ele respondeu, de longe.
Então gritei para ele o número. O número errado. E entrei no táxi, confusa com o que havia feito.
- Para onde a gente vai? - o motorista perguntou, enquanto andava a uns 10km/h.
Num impulso incontrolável, abri a porta do carro e andei depressa em direção à Evidência nº2. Olhei nos olhos dele, respirei fundo e dei o número certo. Depois voltei para o táxi e disse para onde a gente ia.
No dia seguinte, a Evidência nº2 me ligou e finalmente tivemos nosso primeiro encontro. Mas quando ele me levou de volta para casa, tive uma sensação estranha de que não o veria de novo tão cedo. Achei que fosse paranóia e deixei pra lá.
Só que eu estava certa e o cara sumiu do mapa. Só fui saber dele muito tempo depois. Parece que ele tinha entrado em algum tipo de crise, queria trancar a faculdade, se mudar e o caralho. Quando reapareceu, ele disse que gostava muito de mim, mas não podia prometer nada naquele momento.
Durante quase dois anos, nos víamos com frequencia irregular, às vezes com intervalos curtos e muitas vezes com intervalos maiores, que chegavam a durar meses.
As coisas só ficaram diferentes quando ele soube que eu iria me mudar da cidade. Passamos a nos ver todos os dias, dormíamos juntos quase todas as noites, ficamos inseparáveis.
Faltando poucos dias para eu ir embora, estávamos no meu quarto conversando sobre algum assunto bobo. Ri de alguma coisa que ele disse, levantei e fui até a cozinha buscar um pedaço de bolo. Quando voltei, tive uma espécie de epifania ao vê-lo deitado na minha cama. Foi ali, naquele instante, que eu soube que haveria outros depois dele.
E houve.

Evidência nº3
Ficamos amigos muito rápido. Mesmo senso de humor, mesmo gosto musical e uma diferença de altura de quase 10cm, mas eu tentava não focar muito nisso. Conversávamos por horas sobre qualquer assunto e nem sentíamos o tempo passar.
Quando nós ficamos pela primeira vez, ele já havia me contado sobre pegar rapazes. E não, eu não estou falando daquele penteado escroto. Ele realmente ficava com homens. Esporadicamente.
Já estávamos super próximos quando ele foi passar as férias sozinho em outra cidade. Me peguei fazendo vários planos para a volta dele, quando meu telefone tocou. Era ele, todo serelepe, contando que tinha conhecido um cara.
Como expliquei, nós éramos, antes de tudo, muito amigos. E eu era uma das únicas que sabia do segredinho dele. Não havia muita gente para quem ele pudesse ligar e contar a novidade. Hoje em dia, eu lembro disso e acho engraçado. Apesar da Evidência nº3 nunca ter dado pinta de veado, ligar para a melhor amiga só para contar que conheceu um cara é a coisa mais mulherzinha do universo. Eu devia ter desencanado ali.
Em vez disso, continuei fixada no rapaz por vários e vários meses. Porque a gente se dava tão bem, era tudo tão fácil, tão confortável. E o beijo dele, meu deus. Era o melhor até então (e como eu sei que a Evidência nº3 vai ler esse texto e começar a se achar, eu enfatizo: o melhor até então).
Foi difícil abrir mão dele com tantos indícios de que daríamos certo. Exceto pelo fato de que ele pegava rapazes. Cada vez mais frequentemente. E eu, na verdade, nunca concordei muito com o conceito de bi-curioso. Pelo menos não para homens. Não existe dar a bunda só de curiosidade. Não é como experimentar uma cozinha exótica. Tipo, "humm, gostei, o que é isso, curry?". Não, cara! É a sua bunda! Para alguém chegar perto dela, você tem que querer muito. Não rola bancar o Pedro Bial e dar só uma espiadinha.
Por isso eu acabei superando a Evidência nº3 . Uma coisa é o cara dizer que gosta muito de você, mas não quer ser envolver, ponto. Faz você questionar uma porção de coisas, inclusive a si mesma, achando que o problema é com você. Outra coisa é o cara dizer que gosta muito de você, mas prefere homens. É totalmente diferente. Ser gay é um argumento inquestionável.
***
Depois dele, fiquei quase dois anos em um limbo emocional. Não por coincidência, foi a época mais boêmia da minha vida. Saía quase toda noite, conhecia toda sorte de rapazes aleatórios e tinha pelo menos um primeiro encontro por semana. Esses, quase nunca passavam do terceiro e, quando passavam, me cansavam em pouquíssimo tempo. Vivi uma espécie de apatia sentimental e tédio profundo. Ninguém parecia capaz de me tirar daquele estado catatônico.
Até surgir a próxima evidência e bagunçar tudo.

Evidência nº4
Estava tudo uma merda. Não achava trabalho na minha área e minha vida profissional era uma piada. Passei o final do ano avaliando a qualidade dos picolés nos pontos de venda da Kibon. Nada contra quem sempre sonhou em avaliar a qualidade dos picolés nos pontos de venda da Kibon, mas tudo o que eu queria naquele Natal era um trabalho que me pagasse para escrever. E eu não escrevia há séculos. Faltava inspiração e tudo o que eu produzia era uma série de textos ruins e inacabados.
Foi em janeiro do ano seguinte que eu conheci a Evidência nº4. Na verdade, eu já conhecia o sujeito. Ele era muito amigo da minha melhor amiga. Era tão amigo, mas tão amigo, que eu poderia até dizer que eles eram primos. Ok, eles são primos. Droga, eu jurei pra mim mesma que ia mudar alguns elementos para não explanar demais a história. Enfim, agora foi. Desculpa, Arthur. Droga, fiz de novo!
Quando comecei a sair com a Evidência nº4, eu não estava nem aí para nada. Há muito tempo que não me interessava de verdade por ninguém e só saía com homens com quem eu não me importava. Depois que ficamos pela primeira vez, comecei a agir como vinha agindo nos últimos dois anos. Era evasiva e tentava dar o perdido sem parecer que estava dando um fora. Exemplo típico: o cara manda um torpedo dizendo "Quer fazer alguma coisa hoje?" e você responde que não pode. E nem vai poder nos próximos dias porque está - ai, que clichê - super enrolada com várias coisas.
Só que a Evidência nº4 não caiu nesse truquezinho barato. Todos os homens até então teriam engolido essa, mas ele foi sagaz e rebateu com "Vem cá, isso quer dizer que você não pode sair, não quer sair ou não vai sair comigo?" e me desarmou completamente. Saí com ele no mesmo dia.
Depois do terceiro encontro, eu já sabia que ia me foder. De novo. Sabe aquela sensação de que as coisas não vão dar certo? Uma vozinha miserável que sussurra, "sai fora enquanto você consegue". Pois é. Se você nunca ouviu essa voz, parabéns, você não é esquizofrênico. Eu ouvi e resolvi ignorá-la.
Poucos meses depois, quando eu já estava completamente caída pela Evidência nº4, o tempo começou a mudar. O céu ficou encoberto e o vento fazia as janelas baterem, tornando necessário fechá-las de uma vez. "Gosto muito de você", ele disse, enquanto eu já antecipava o que estava por vir. Já não conseguia deixar de associar alguém gostar muito de mim com alguém estar a ponto de me dar um fora. "Gosto muito de você, mas vou tentar resolver as coisas com a minha ex".
Ai.
Acho que de todos os foras, aquele foi o que mais me abalou. Porque eu vinha de um longo período de anestesia afetiva. Conhecer a Evidência nº4 foi como tomar uma injeção de epinefrina à la Pulp Fiction. De uma vez só, eu voltei a acreditar em todas as fantasias que eu alimentava anos atrás e que há tempos havia deixado de lado. E, também de uma vez só, em pleno exercício dessas fantasias, eu me vi obrigada a reprimir todo aquele sentimento e guardá-lo de volta em algum lugar obscuro onde ninguém nunca mais haveria de mexer.
***
Ao longo daquele ano, eu tive certeza de que todos os livros de autoajuda mentiam para as pessoas. Ok, eu já sabia disso. Mas naquele momento não restava nenhuma dúvida. Todo aquele papo sobre o mundo estar cheio de gente interessante é mentira. Uma das mentiras mais cruéis que alguém pode contar. O mar não está cheio de peixe. O mar é a Baía de Guanabara! Tá cheio de porcaria e óleo!
Cheguei a ensaiar um casinho ou outro, mas nada muito relevante. A reviravolta só se deu no ano seguinte, com o reaparecimento da Evidência nº4.

Evidência nº4 - o retorno
Foi tipo um reset no sistema. Começou tudo outra vez, do ínicio. Em janeiro, no verão, pouco antes do carnaval. Déjà vu total. E paranóica do jeito que eu sou, já esperava que tudo acontecesse como no ano anterior. Nesse caso, o deadline seria no final de março, antes do meu aniversário, no dia 27.
Mas me enganei. O deadline foi exatamente um dia depois do previsto. Dia 28 de março. Foi quando tudo começou a dar errado. Porque depois desse dia, ele passou a dar sinais claros de que não queria nenhum tipo de envolvimento mais sério. Passava vários dias sem ligar ou mandar mensagens, quase nunca estava livre na sexta ou no sábado e nunca me via mais de uma vez por semana. Praticamente um aviso de "mantenha distância" ambulante. Mas eu escolhi continuar. Poxa, eu sou tão legal. Vai que, né?
Mas não. Depois de março, foi só ladeira abaixo. Especialmente depois que eu perguntei mais do que devia e ouvi o que não queria. Sim, ele estava comendo outras mulheres. E não, nada indicava que ele pretendia mudar de ideia quanto a isso.
Merda. Estava fodida. Refodida.
Devia ter ouvido aquela vozinha que me disse para sair fora enquanto eu conseguia. Porque, àquela altura, eu já não conseguia mais. Mesmo depois de ouvir várias vezes que ele gostava muito de mim, mas. Tem sempre um mas no meio do meu caminho. Ele gostava muito de mim, mas não estava pronto para se envolver. Clássico. Se fosse futebol, seria um Fla-Flu.
Continuei saindo com a Evidência nº4 por mais alguns meses até cansar daquela rotina de sair com ele/ esquecer que na verdade ele não queria ficar comigo/ dar para ele/ lembrar que na verdade ele não queria ficar comigo/ me sentir péssima/ parar de ligar/ ligar/ sair com ele.
Para garantir que eu não cairia em tentação e para livrar-me do mal, amém, apaguei a Evidência nº4 do meu messenger. E do meu celular, apesar de ainda saber o número dele de cor.
Deve ter funcionado porque, em menos de um mês, do nada, eis que surge uma nova evidência.

Evidência nº5
Esse foi o mais inesperado. Mesmo. Primeiro porque eu não estava procurando. E, ainda que estivesse, minha busca teria outros termos - certamente haveria um rigor maior no quesito altura.
Foi a primeira vez que eu nem precisei sair de casa para conhecer alguém. Veio por fibra ótica, via internet banda larga, numa troca de e-mails que normalmente não teria passado do segundo ou do terceiro, no máximo.
A coisa evoluiu tão rápido que, quando eu me dei conta, já estava fodida. Dessa vez não deu nem tempo de pensar antes. A vozinha sequer teve a chance de anunciar o fim inevitável a que todos os meus relacionamentos até então se encaminharam. "Gosto muito de você, mas".

Eu costumava pensar que, com o tempo e as porradas, eu iria me fechar cada vez mais. Mas eu me enganei. Porque as evidências só provam o contrário. Cada vez menos eu me sinto apegada às minhas fantasias e cada vez mais eu me vejo aberta para todas as possibilidades do mundo real. Eu estou...como se diz... crescendo. Aliás, crescendo não que eu já tenho 1,78cm e tá de bom tamanho.
Tenho evidências de que haverá outros. E depois dos outros, mais outros. E, numa dessas, em vez daquele mas xexelento, alguém vai dizer: "Gosto muito de você e, por isso mesmo, é óbvio que eu não vou a lugar nenhum. Agora para com essas bobagens e volta logo pra cama".

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Da Série: Rapidinhas da Psicótica


Então ele me perguntou se a gente iria se ver.
Creio que nenhuma resposta seria melhor do que a verdade: "Olha, acabei de comprar um vestido, um conjunto de lingerie e preciso de alguma atividade física que me faça queimar as calorias dos dois brigadeiros que eu comi no intervalo entre uma compra e outra. Então... espero que sim(!!!)".
Naturalmente, respondi apenas um contido e casual "sim, sim", enquanto (re)avaliava a real necessidade de um retoque na depilação.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Psicose em Destak


Queria agradecer à leitora Ana Amélia Santos, que indicou o "Adorável Psicose" para o Jornal Destak. Em retribuição, irei persegui-la durante sete dias e escrever um texto explanando todos os aspectos psicóticos da sua vida.

Sacanagem.

Mas eu pago um chope.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Velha Demais


Tirando minha tia avó e alguns pedreiros, ninguém nunca me chamou de "meu amor". E tenho certeza de que nunca disse o mesmo para alguém que não estivesse furando o meu lugar na fila: "Meu amor, cai fora daí". Ou alguém que não fosse uma bicha cabeleireira: "Corte joãozinho? Mas nem morta, meu amor". Ou se não fosse para argumentar com uma mulher muito chata: "Meu amor, olha só, pra começar você é gorda".
Vou fazer vinte e cinco anos e nunca tive um relacionamento de verdade. Talvez eu seja nova demais para me preocupar com isso. Em compensação, já tenho idade suficiente para querer ser velha em alguns momentos.
Como quando alguém me chama para ir ver Los Hermanos. "Já tô velha demais para essas coisas", eu respondo. Não que antes eu tivesse alguma vontade de ir, mas agora eu adquiri o passe. Finalmente, tenho o direito de dizer "não".
Boate muito cheia, sem lugar para as pessoas se mexerem: "Tô velha para essas coisas, gente". Aniversário da pessoa mais insuportável do trabalho na quarta-feira à noite: "Desculpa, mas é que eu realmente tô velha demais para essas coisas".
Acho que essa é uma das grandes vantagens de ficar velho. Quanto mais o tempo passa, menos você se sente compelido a fazer o que não quer. E, de quebra, ainda ganha a desculpa perfeita. "Estou velho demais" é um argumento inquestionável. A pessoa não vai discutir com alguém que está velho demais. Pelo contrário, isso é quase como um "respeite meus cabelos brancos". Só que, nesse caso, tá mais para "respeite todos aqueles anos em que eu saía peregrinando de bar em bar, depois ia a uma boate, dançava a madrugada toda e só voltava pra casa depois das seis da manhã".
O "já tô velha demais pra isso" serve para todo tipo de situação. Inclusive para a vida afetiva. Porque chega uma hora em que você simplesmente não tem mais paciência para os joguinhos de outrora. Existe um momento, muito nítido, em que você se dá conta de que está mesmo velha demais para não fazer o que tem vontade de fazer. Ou vice-versa.
Vou fazer vinte e cinco anos e nunca tive um relacionamento de verdade. Tive desencontros, equívocos, mal-entendidos. Relacionamentos platônicos, impossíveis, imaginários. Todos eles. Mas reais e adultos, não faço ideia de como sejam.
Não sei por que isso acontece. Talvez porque eu sempre foque as pessoas erradas. Ou talvez porque eu morra de medo de precisar de alguém. De ficar vulnerável e quebrar a cara.
Seja como for, de uma coisa eu tenho certeza. Apesar de ser muito nova para me preocupar com isso, eu já estou velha demais para não admitir que seria legal tentar.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Resoluções de Dia de Finados


- Correr na praia
- Andar na praia
- Ir à praia
- Comprar biquíni
- Voltar a fazer terapia
- Comprar sapatos
- Parar de sair com homens errados
- Parar de sair com homens
- Virar lésbica
- Virar matadora de vampiras lésbicas
- Fazer dieta
- Comprar chocolate e vinho
- Correr na praia
 
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