sábado, 6 de fevereiro de 2010
Da série: diálogos psicóticos
"Um petit gâteau, por favor", pedi.
"Mais alguma coisa, senhora?", a garçonete perguntou.
"Não, não. Só o petit gâteau mesmo."
"Ok, senhora. Quinze minutinhos, tá?", ela avisou, virando-se para ir embora. Não fosse pelo broche com o nome "Claudete", eu poderia jurar que se tratava de um traveco. Se bem que Claudete não é exatamente um nome livre de suspeitas.
"Ah, espera", eu disse, interrompendo a saída dela. "Pode ser sem sorvete?"
Então a garçonete me olhou de um jeito estranho, como se eu tivesse feito alguma pergunta absurda.
"Como assim sem sorvete?"
Desviei olhar para ganhar tempo e pensar em que tipo de resposta eu deveria dar. Tenho essa necessidade constante de agradar todo mundo, o tempo todo. Porque, obviamente, seria inconcebível viver num mundo em que alguém não fosse com a minha cara.
"A senhora não gosta de sorvete?"
"Não, é que... "
"Porque todo mundo gosta de sorvete", prosseguiu. "Seria estranho se a senhora não gostasse, só isso."
"Não, eu gosto, eu gosto", tentei consertar. "Mas é que eu gosto mais do petit gâteau e não queria comer duas coisas engordativas."
Nessa hora a Claudete me lançou um olhar de cima a baixo, seguido de um sorriso.
"Uma vezinha só não faz mal", concluiu sozinha. "A graça tá no sorvete."
"Não. A graça tá no petit gâteau. Se a graça estivesse no sorvete, a sobremesa se chamaria sorvete. E seria acompanhada de petit gâteau."
"Então eu posso mandar servir com sorvete?"
"Não! Eu não quero o sorvete!"
"Mas o preço é o mesmo sem sorvete", ameaçou.
"Não tem problema."
"Eu só tô dizendo que se a sobremesa inclui sorvete e você não vai pagar menos por tirar o sorvete, não vejo por que não pedir logo tudo."
"Porque eu não quero!", respondi, já exaltada.
"A senhora está dizendo que se eu trouxer o petit gâteau com sorvete num prato, a senhora vai comer o petit gâteau e deixar o sorvete? Não vai dar nem uma colherada?"
Fiquei muda por alguns instantes, incrédula.
"Aaahh, te peguei, hein", ela disse.
"Do que você tá falando? Não é pra colocar o sorvete no prato!"
"E é pra colocar onde?"
"Não me interessa! Pode comer, se quiser!"
"A senhora está insinuando que eu como do prato dos clientes?"
"Não! Só tô dizendo que já que você é a entusiasta do sorvete, pode ficar com o meu. Porque pelo tempo que a gente tá discutindo, eu já poderia ter comido a sobremesa duas vezes."
"Ok", ela disse, visivelmente ressentida.
"Ok?", confirmei, estranhando a súbita aceitação dela.
"Vou passar o pedido para a cozinha", respondeu, novamente virando-se para sair.
"Espera um pouco. Você não vai...", iniciei, constrangida. "Você não vai fazer nada com o meu petit gâteau, vai?"
"Como assim, senhora?"
"Eu reparei que você ficou chateada comigo. Mas isso não é motivo pra você incrementar meu prato com algum ingrediente especial."
Ela parou e cruzou os braços, esperando que eu concluísse a acusação.
"Você não vai cuspir no meu petit gâteau, vai?", perguntei de uma vez.
"Que absurdo, eu sou uma profissional", respondeu, ofendidíssima. "Mas é claro que acidentes acontecem."
"Não, não, não. Um cuspe não acontece. Um cuspe é planejado", expliquei, nervosa. "Por que você planejaria uma coisa dessas, hein, Claudete?"
"Não fui com a sua cara."
Aaahh, por que não? Foi alguma coisa que eu disse? Será que ela percebeu quando eu achei que ela parecia um traveco? Eu deveria comprar alguma coisinha como forma de me desculpar?, pensava, enquanto procurava manter a pose.
"Eu não faço as regras", ela continuou. "O petit gâteau vem acompanhado de sorvete. Todo mundo sabe. Ninguém nunca arrumou problema com isso. Mas aí chega a senhora, se achando melhor do que o resto das pessoas, querendo mudar as regras. Isso tem um preço!"
"E o preço é uma cuspidela no meu prato, é isso que você está me dizendo?"
Ela deu de ombros.
"Você quer mais dinheiro? Eu dou mais dinheiro! Eu pago pra você tirar o sorvete! Eu faço o que você quiser. Só me diz o que eu preciso fazer pra garantir que ninguém nessa cozinha troque fluidos com a minha sobremesa!"
"A senhora pode pedir o petit gâteau com sorvete", respondeu, calmamente. E sorriu, quase de maneira simpática.
Olhei em volta, com um sentimento de revolta e total impotência. Então fiz o que qualquer cidadão consciente faria naquelas circustâncias. Apenas me sentei e disse:
"Ok, pode trazer."
"Excelente escolha. A senhora não vai se arrepender", ela rebateu. E finalmente se virou para sair.
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Foi mal, Poti, mas eu concordo com a garçonete...
ResponderExcluirVocê provavelmente NUNCA vai me ver. E eu provavelmente NUNCA vou te ver. Vidência? Não, não. Pobreza mesmo. Mas apenas com os ultimos três posts, já inscrevi no rss, adicionei no twitter e ainda estou escrevendo um comment, o que eu nunca faço. Considere. :)
ResponderExcluir@jorgefieza - de Recife para o mundo!
hahahahahahahahahahaha
ResponderExcluirindependente do que ela prometeu, veio com "o mollho da casa" COM CERTEZA!
Já que você tem essa necessidade incontrolável de que a maioria vá com a sua cara, sempre que possível passarei a comentar.
ResponderExcluirPrimeiro, gostei do seu blog e passei a vê-lo sempre a procura de novidades, portanto se o meu IP aparecer muitas vezes, não me considere um Stalker, ok?
Segundo, concordo com a Débora, o "molho da casa" estava presente. Mas, melhor não pensar nisso agora, né? Afinal, como disse a Rita: "tudo vira bosta".
Até a próxima!
É o fim.
ResponderExcluirAiai, pq algumas pessoas simplesmente não se matam?!!!
Adorei, eu teria levantado e ido embora.
Gente, que garçonete psicótica!
ResponderExcluirOi, eu leio seu blog já há algum tempo e me identifico muito com vc.
ResponderExcluirTb escrevo um blog contando tudo q acontece na minha vida e descrevendo episódios amorosos.
Gostaria q vc lesse se pudesse já q acho seus textos tão bons!
Um beijo
Gente que absurdo!
ResponderExcluirFato que a sobremesa veio batizada, de agora em diante desconfiarei de toda garçonete chamada Cludette.
Juliana,
ResponderExcluirUma opção que lhe concederá o rótulo de "normal" é fazer o pedido sem solicitar qualquer tipo de mudança.
Afinal, imagine se você é alérgica a castanha-do-pará e pede sem a castanha ao garçom paraense? Discriminação, no mínimo! De brinde, "molho da casa" com raspas de pentelho! rsrs
Abraços!
Arrasou! A Claudete, claro! kkkkkkkkkkkkkkkk Muito bom!
ResponderExcluiruahuahuahuah!!!!! Ai ai ai! Vai um Waflle??????
ResponderExcluirEU já tinha visto algo parecido em algum lugar.... não lembro aonde e sobre o que era.
ResponderExcluirMas de qualquer forma isso é clássico... Nunca, jamais... em hipótese alguma se deve contrarias as pessoas que irão manipular a sua comida.
cheguei agora, mas não quero deixar de comentar. devemos que ter cuidados com nossas palavras e atos, ainda mais com quem serve a nossa comida... claro que a sua sobremesa foi batizada..........
ResponderExcluirCara... Lendo esse post fiquei emputecida com essa garçonete LOUCA! Eu amo o petit gateau completo, mas consigo entender que você poderia querer só o bolo e teria todo direito de escolher não comer o sorvete! Agora, depois de tanta insistência dessa retardada em te empurrar a sobremesa completa, eu já teria levantado do restaurante e ido à outro lugar matar meu desejo de petit gateau sem sorvete!
ResponderExcluircaraca isso é tao irritante que provavelmente tem um fundo de realidade.
ResponderExcluirEstou lendo isso em 2014.
ResponderExcluir2016-3-11 leilei
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