natalia

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A síndrome do parque de diversões


  Quando eu tinha uns três ou quatro anos, minha mãe me levou pela primeira vez a um parque de diversões. Não era lá um grande parque, mas supõe-se que as crianças têm essa vantagem de ser imaginativas e de se contentar com bobagens. Na verdade, as adultas também. Vira e mexe vejo amiga contando que conheceu um cara ótimo, que esperou um táxi com ela na rua e até mandou mensagem no dia seguinte. Daquelas criptografadas, do tipo “bom t v, bj p vc”. Quer dizer, o cara não se dá nem ao trabalho de escrever a palavra inteira, o que que custa escrever a palavra inteira?! É o nosso primeiro encontro, inferno, escreva a droga da palavra inteira!
  De todo modo, minha mãe conta que nunca esqueceu minha reação quando fui àquele parque. Ela diz que durante o passeio todo, eu estava sempre olhando para o próximo brinquedo, nunca para o brinquedo em que a gente estava. Como se eu estivesse o tempo inteiro buscando algo de fora, algo distante. Como se eu fosse incapaz de aproveitar o que estava bem ali, diante dos meus olhos, naquele momento. Ok, ela não disse isso. Mas me fez pensar. 
  Quando saí da casa da minha mãe e fui para o meu primeiro apartamento, tudo era novo e empolgante. Móveis para comprar, decoração para fazer, cortinas, tapetes, cacarecos diversos... e quando a casa finalmente ficou do jeito que eu queria, do jeito que eu sempre quis que a minha casa fosse, eu comecei a ficar inquieta. Passei sonhar com o meu próximo apartamento, aquele que ainda não posso bancar, com varanda, flores na varanda – mas tem que ser aquela varanda que só se vê em filmes europeus –, um animal de estimação, talvez um closet gigante. Ah, como seria ótimo ter um closet gigante...
  E em vez de relaxar e desfrutar da minha conquista, eu resolvi olhar para o próximo brinquedo, tal como aquela garotinha de três ou quatro anos, imaginativa. A diferença é que agora, eu não me contento mais com qualquer bobagem.
  Apesar de (ainda) não ter aquele closet gigante dos sonhos, nunca estive tão orgulhosa do meu guarda-roupa. Entenda que eu fui, por muitos anos, uma adolescente estranha, com roupas estranhas e nenhum talento para me produzir. Minha única referência de maquiagem era aquela Barbie da cabeça gigante, e eu lembro que quanto mais sombra azul e batom rosa eu tacava na coitada, melhor maquiadora eu me considerava.
  Eu comprava revistas de moda e pensava com todas as forças que um dia queria ser como uma daquelas mulheres. A fase de querer ser igual às modelos esquálidas felizmente já passou, pois aprendi a gostar do meu corpo como ele é. Ok, mentira. Eu continuo querendo ser exatamente como aquelas modelos esquálidas, mesmo compreendendo perfeitamente a função do Photoshop.
  Hoje eu não me sinto mais aquela garota estranha e deslocada. Mas, ainda assim... maldito parque de diversões e a obsessão pelo próximo brinquedo. Outro dia mesmo, quase gastei meu salário inteiro comprando uma bolsa Prada. Por sorte, o banco bloqueou meu cartão de crédito, sob a alegação de que eu estava realizando uma compra fora do meu perfil. Sábio banco. Mal sabia ele das indagações que aquele procedimento padrão iria despertar em mim.
  É inegável que isso tudo está ligado a uma certa tendência autodestrutiva. Não me leve a mal. Assim como você e o Will Smith, eu também estou à procura da felicidade. Mas tem dias que esse complexo do parque de diversões ataca com força. E em vez de aproveitar o meu brinquedo, eu me vejo olhando para os lados, inquieta, buscando sei lá o quê.
  Quando eu odiava meu trabalho e saía todas as noites, eu reclamava que as coisas não estavam acontecendo para mim. Quando as coisas finalmente aconteceram para mim e eu me enchi de trabalho, comecei a reclamar que não tinha mais tempo de sair e conhecer caras interessantes. Quando conhecia caras interessantes e eles não queriam nada sério comigo, eu reclamava que ninguém queria nada sério comigo e que eu iria ficar sozinha pra sempre. Quando eu conheci um cara interessante que quis algo sério comigo, eu comecei a reclamar que não sobrava mais tempo pra ficar sozinha.
  Por que raios isso acontece? Por que nunca estamos plenamente satisfeitos com o que temos? A inquietude é saudável até certo ponto, afinal, ter objetivos e vontades é o que nos move. Mas o que fazer quando estamos constantemente nos questionando se o que temos é realmente o melhor que podemos ter? E por que aquilo que não temos só parece melhor até o momento em que passamos a tê-lo? Como aquela bolsa Prada que eu nunca comprei. Será que na minha casa, dentro do meu guarda-roupa modesto, que não é um closet gigante dos sonhos, aquela bolsa seria tão linda, vermelha e brilhante? Provavelmente sim. A quem estou enganando, eu quero aquela bolsa agora.
  Outro dia, entrei em algum tipo de crise temporária, mais conhecida como “modo autossabotagem on”, e dispensei meu namorado, um cara legal de quem eu realmente gosto, para ir a uma festa à la solteira com os amigos. Só que os amigos também acabaram conhecendo caras legais. E eu fiquei sozinha.
  A ironia da coisa é que eu passei anos – eu disse anos – reclamando incessantemente sobre como eu queria encontrar alguém. Não que eu tenha problemas em lidar com a minha própria companhia, muito pelo contrário. Tem noites em que tudo o que eu quero é ficar sozinha em casa, vendo filme e bebendo vinho. Mas a perspectiva da solidão eterna me assusta. E quando eu finalmente encontro alguém legal que realmente gosta de mim, eu me apavoro e me coloco numa situação patética de solidão.
  Lá estava eu, absolutamente sozinha. Por opção, mas uma opção mal feita, pelos motivos errados. Eu escolhi o outro brinquedo no parque de diversões e tratei meu namorado como uma bolsa Prada esquecida no armário.
  Mas eu ainda estou aprendendo. Com sorte, vou saber apreciar uma boa volta na Roda-Gigante – apesar de achar a Roda-Gigante um brinquedo bobo e sem propósito, além de ter medo de altura. Com o tempo, a gente acaba conhecendo bem o parque que tem em volta e aprende quais são os brinquedos que valem a entrada. Sábios são meu banco e minha mãe, que enxergam muito além daquilo que eu mesma sei sobre mim.

 (Texto escrito para a revista LOLA, publicado na edição de nov/12)

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Todas as responsabilidades do mundo


Imagine que a vida é uma página em branco do Word. Eu me vejo diante dela, pensando em como preenchê-la da melhor maneira possível. Porque se a vida se resumisse a essa página, a pressão sobre o texto aumentaria drasticamente. É como se, de repente, cada linha escrita se tornasse uma decisão crucial. Cada escolha de palavra, cada vírgula, seria um caminho sem volta – não fosse, é claro, pela tecla “delete”.
A página em branco é promissora. Ela é uma utopia. Tudo, absolutamente tudo pode ser feito nela. E é justamente por isso que ela é o ícone emblemático do bloqueio criativo. Quando estamos diante de todas as possibilidades do mundo, escolher uma delas se torna uma tarefa quase impossível.
Tenho vinte e sete anos. Faço parte da geração que foi apresentada à internet na adolescência. A partir daí, um universo de novas possibilidades se abriu e continuou se expandindo. Quando nos demos conta, a vida se tornou uma página em branco do Word. Só que online. E ditada por dois conceitos básicos da modernidade: a obsolescência e o banco de dados.
As pessoas da minha geração – e mais ainda das seguintes – passam a vida toda oscilando entre o passado e o futuro. O primeiro porque as timelines facebookianas, os históricos de e-mails e mensagens, o armazenamento quase que eterno de todo o conteúdo já postado na história da internet, não nos deixa esquecer jamais de que não podemos nos esquecer jamais. O banco de dados é para sempre e nosso passado nos condena. Para sempre.
Quanto ao futuro, já faz tempo que a Deus não pertence. Porque se pertencesse seria moleza. Ninguém sofria de depressão na Idade Média. Peste negra, sim. Ataque de ansiedade, certamente que não. E quando o futuro a nós pertence, voltamos àquela página em branco do Word. Aliás, eu juro que o Word não está patrocinando este texto.
Eu sei que é clichê dizer isso, mas vivemos numa época em que o futuro se torna obsoleto muito rápido. Tudo é muito “last season”. O único fator invariável é a nossa permanente insatisfação. Somos incapazes de nos sentir plenos porque a plenitude está relacionada com o presente, o agora. E por mais contraditório que isso possa parecer, as novas gerações não vivem o agora.
Fico assistindo a Mad Men, uma das minhas séries preferidas, ambientada nos anos 60, e fico pensando sobre como devia ser a vida daquelas pessoas. Outro ritmo, sem dúvida. Mas, principalmente, muito menos possibilidades. Nossos avós, e até mesmo nossos pais, viveram num tempo em que o campo de escolhas era bem mais restrito. Era tudo muito mais simples. Não tão simplório como na Idade Média, claro, até porque já existia a psicanálise e a solução para os problemas mentais não se resumia a trancafiar pessoas numa masmorra.
Tenho a impressão de que os jovens dos anos 60 e 70 viviam mais o presente. Nada mais “aproveite o agora” do que o LSD. Minha primeira e derradeira experiência lisérgica foi marcada justamente por ter sido a única – eu disse única – vez em que eu me senti vivendo o momento. Foram as horas mais plenas da minha vida, ainda que eu saiba que foram horas sintéticas.
E por que eu não me sinto assim no meu dia-a-dia? A resposta é inevitável. Página em branco do Word. A pressão pelo texto perfeito ou pela vida perfeita torna tudo muito mais aflitivo. Vivemos nesse limbo entre as frustrações passadas e as aspirações futuras. Entre um e outro, todas as possibilidades do mundo. É lindo, é poético, e é terrivelmente assustador. Porque escolher uma possibilidade implica em não escolher todas as outras. Toda ação carrega junto de si o peso de centenas de milhares de negações.
Eu, por exemplo, já passei da metade deste texto. Minha página em branco já não está mais tão em branco assim. Eu fiz escolhas dentro desse vasto, quase infinito campo de possibilidades. E vou ter que viver com elas. Eu e você, meu cúmplice, que está lendo.
Posso estar redondamente enganada, mas acredito que esse medo de escolher, esse bloqueio criativo da vida real, está, em última instância, ligado ao mais “roots” de todos os medos – o inexorável medo da morte. Quanto mais possibilidades nós temos, mais consciência tomamos de nossa condição efêmera, pois somos confrontados com o velho dilema de “o que fazer antes de morrer”. E queremos fazer tudo. Queremos ir para todos os lugares, conhecer todas as pessoas interessantes, trilhar todos os caminhos até esgotarmos todas as opções possíveis e existentes.
E nesse meio tempo, perdemos de vista o agora. É como se nossa geração tivesse assinado um compromisso velado de, haja o que houver, jamais perder tempo vivendo o presente. É um fardo que carregamos por termos sido contemplados com todas as possibilidades do mundo. Temos uma página inteira em branco, com todas as letras, símbolos e algarismos a nossa disposição e, mesmo assim, nos pegamos constantemente insatisfeitos com as palavras que formamos.
Se transpusermos isso tudo para a vida afetiva, então, fica mais que evidente qual é o cerne das nossas frustrações. Mesmo princípio da página do Word. Quanto mais possibilidades nos são apresentadas, mais inseguros ficamos. A incerteza é a única constante. Temos dúvidas sobre nossos sentimentos, dúvidas quanto aos sentimentos do outro, medo de nos tornarmos obsoletos, medo de repetirmos os erros do passado. E permanecemos insatisfeitos, especulando, especulando. Sempre olhando para os lados, em busca.
Não sou presidente de nada, mas “nunca antes na história” tivemos tantos caminhos a nossa frente. Tipo agora. Bem agora, quando você termina de ler meu texto, o mesmo texto que escrevi em minha página em branco. Aqui reside a prova incontestável de que toda escolha resulta em consequências. Estamos hoje diante de todas as possibilidades e todas as responsabilidades do mundo. Só não sabemos o que fazer com isso.

sábado, 4 de agosto de 2012

A Psicose Elementar (ou: Yeah uh I am a scientist)


Sem pipetas, nem buretas, acabei de fazer a descoberta mais importante da minha vida de hoje à noite. Após anos de sofrimento, finalmente consegui isolar a partícula elementar da adorável psicose.
Ocorre que a fórmula para se chegar ao "estado de Natalia" parte do axioma de que o nível de psicose é diretamente proporcional à quantidade de afeto que se tem por uma pessoa.
Guardem isso.
Agora adicionem ao assunto anterior uma novidade, que tenho evitado há algum tempo compartilhar. Uma certa notícia envolvendo o fato de que eu estou namorando.
Sim, eu estou namorando. Eu. Estou namorando.
E andei sumida por total carência de assunto. Sempre tive a impressão de que este blog só se manteve funcionando porque nunca me faltou motivo para reclamar. Falar sobre como não tem absolutamente nada de errado me acontecendo ou como pela primeira vez na vida eu estou em uma relação saudável não me parece um bom atrativo para os leitores.
Mas a verdade é que eu não tinha nada para lamentar ou protestar. Nem sequer indagar. E sem indagações, eu não fico reflexiva. E sem reflexões, não sai texto. Pelo menos não em "Adorável Psicose".
Até hoje.
Há alguns minutos, na verdade, quando me ocorreu uma epifania científica. Aquela que descrevi lá em cima, quando fiz referência a pipetas e buretas. Que são instrumentos de laboratório, caso você não saiba e tenha ficado com preguiça de procurar no Google.
Porque até então eu vinha me sentindo orgulhosa da nova Natalia. Uma outra mulher, mais cool e menos ansiosa, que não se apega a neuroses e minúcias desnecessárias. Eu me sentia essa nova pessoa, mais evoluída e moderna, quase europeia.
Mas não.
Por isso, concluí que a partícula elementar da minha adorável psicose é formada no exato instante em que a existência - ou a não-existência - de alguém passa a interferir no meu percentual de felicidade. E é nesse momento, nesse ínfimo recorte no espaço-tempo, em que eu deixo de ser a nova Natalia e volto a ser a boa e velha (e aflita, problemática, insone, paranoica, apocalíptica) Natalia.
Hoje eu comprovei uma verdade inquestionável, inexorável, pessoal e intransferível - é bom que saiba no que está se metendo.
Eu serei irremediavelmente psicótica enquanto gostar de você.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Da arte de cagar um balde


Uma das minhas maiores metas para 2012, 2013 e, provavelmente, o resto da minha vida é aprender a cagar um balde. Não ao pé da letra, prezado leitor doente, porque isso seria nojento - embora o caráter laxativo da coisa seja deveras emagrecedor.
Não que eu já tenha experimentado.
Eu não experimentei.
Mesmo.
Ignorar solenemente os ruídos incômodos, permitir que uma informação entre por um ouvido e saia pelo outro sem perfurar meu cérebro e implodir os meus miolos é algo que ainda está muito além das minhas capacidades. Ao contrário disso, eu me apego a todo e qualquer comentário, palpite e conselho amigo que alguém me dá. Mesmo que eu sequer tenha pedido uma opinião.
Aliás, sejamos francos. Quem começa uma conversa com posso te dar um conselho amigo tem cerca de 95% de chance de ser uma pessoa irremediavelmente mala. Se for homem, tem 97% de chance de ser gay. Se for hétero, tem 100% de chance de ser broxa. No caso das mulheres, todas as vacas que saem por aí destilando conselho amigo querem dar pro seu homem. Se você for solteira, significa que elas são gordas. Não tem erro. As estatísticas são todas do IBGE - Índice Bizarro de Gente Escrota.
Outro dia mesmo fui abordada por uma velha conhecida, digamos, a Hannah, que teceu um comentário inconveniente a respeito da minha vida afetiva. Entendam bem o contexto, a Hannah vai casar. E as mulheres que vão casar - não todas, apenas a cota não-minoritária das patéticas e desesperadas caçadoras de marido-,  têm um problema de Alzheimer seletivo. Elas esquecem que, por anos a fio, não passaram de patéticas e desesperadas caçadoras de marido e, somente porque obtiveram êxito em sua patética e desesperada caça, começaram a se achar pertencentes a uma casta superior.
Quando mulheres como a, digamos, Hannah, laçam seus maridos-alces, elas subitamente viram experts em relacionamentos. E sentem-se no direito de tecer comentários inconvenientes a respeito da vida afetiva dos outros. E esses comentários costumam vir abundantes em solidariedade e amor ao próximo. No caso de Hannah, ela fazia menção aos amigos do noivo, que me poderiam ser apresentados durante o casamento - hábito muito comum em círculos sociais e churrascarias rodízio. Só que com a picanha eu ficaria.
Gostaria de ter a sabedoria e a paz de espírito necessárias para ignorar certas coisas. Mas ainda não cheguei lá. Um dia serei como minha mãe, que consegue ouvir qualquer absurdo com cara de paisagem, soltando no máximo um "umhum" de total indiferença. Antes, é claro, eu preciso aprender a ignorar minha mãe.
"Olha, não vou falar nada, não quero me meter, só acho que você fez tudo errado", é um clássico atemporal de mamãe.
Talvez um dia eu consiga dominar a difícil e louvável arte de cagar um balde. Pode ser no fim da vida ou mesmo no fim do ano - que vem a ser o fim do mundo e, portanto, também o fim da vida. Até lá, seguirei a dieta pelo método tradicional.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Obrigada por nada


Não acredito em coisa alguma que venha do nada. Tudo o que eu conheço que veio do nada resultou em catástrofe, como o Restart, o Padre Marcelo Rossi e o próprio Big Bang, que deu origem à nossa existência e todas as outras coisas desagradáveis que vieram junto com ela. Como o Restart e o Padre Marcelo Rossi.
É uma questão estatística. Até a presente data, nada de bom ou útil me aconteceu do nada. Ao contrário, todos os eventos que se sucederam comigo, mesmo os que terminaram bem, sempre ocorreram de maneira a esgotar todas as possibilidades de vergonha alheia, humilhação e autopiedade. Não creio que possa contar uma única história sobre como algo muito incrível me aconteceu do nada e acabou muito bem.
A escola, por exemplo, foi uma das experiências mais traumáticas e abomináveis da minha vida. Não que eu me ache assim tão especial. Tenho consciência de que esse é um período difícil para a maioria das pessoas. Mas quando passamos por uma situação adversa, nosso instinto de sobrevivência nos leva a assumir uma postura defensiva. Camaleões mudam de cor, insetos se fingem de mortos, alguns peixes até mudam de sexo - o que deve ter menos a ver com mecanismo de defesa do que com o fato de serem umas bichonas -, e tudo isso é feito com o único e imprescindível intuito de não ser notado.
Só que fica difícil não ser notada quando você tem o dobro da altura de todas as crianças da sua turma - juntas -, usa um par de óculos horrendo, aparelho nos dentes, e seu cabelo pode ser confundido com um criadouro de gambás. Minha mãe, preocupada que sempre foi com minha noção de pertencimento, decidiu me tirar aos nove anos da escola judaica, onde todos eram tão geneticamente desfavorecidos quanto eu, e me matriculou em um colégio onde eu não conhecia ninguém.
Minha mãe diz que não queria que eu fosse educada dentro de um sistema de ensino religioso. Assim sendo, ela me pôs em uma escola adventista. Poderia ter sido um colégio laico, mas não. E, para garantir que eu não receberia nenhum tipo de ensinamento bíblico, ela fez questão de que me retirassem da sala durante as aulas de religião. Porque não bastava que eu fosse uma anomalia grotesca de altura desproporcional e cabelos medonhos. Eu também precisava ser o Anticristo.
Foi preciso algum tempo para que eu finalmente me encaixasse nos parâmetros estéticos da sociedade, o que só prova que nenhum evento bem sucedido na minha vida aconteceu do nada. Inclusive - e principalmente - na minha vida amorosa. As experiências anteriores me mostram que nada de muito interessante pode me ocorrer sem que, necessariamente, eu tenha que passar por todo aquele caminho tortuoso de vergonha alheia, humilhação e autopiedade - como foi minha passagem pela escola.
Do nada, se sucederam as piores tragédias da História da Humanidade, incluindo a ascensão de Hitler, o Restart, os fãs do Restart, o padre Marcelo Rossi e, principalmente, minha vida amorosa. Do nada, eu só posso antecipar uma jornada frustrante de volta ao ponto inicial. Do nada, eu não espero mais coisa alguma. E é aí que reside a grande ironia. Porque quando não se espera nada, absolutamente nada, alguma coisa sempre acontece.

terça-feira, 5 de junho de 2012

A Crise ou O Soneto da maturidade feminina é apenas um nome de um chá ruim


Crise. Vem do grego krísis. Dentre algumas definições médicas que eu espero que não venham ao caso,  o dicionário nos dá as seguintes explicações: momento crítico ou decisivo; situação aflitiva; conjuntura perigosa, situação anormal; momento grave, decisivo. 
Pois bem, eu estou em crise. E como toda crise, ela não surgiu do nada. A crise geralmente começa disfarçada de qualquer outra coisa, sempre muito trivial. Uma preguiça de levantar, uma dorzinha de cabeça que nunca passa, um desânimo recorrente. Dali a pouco, nasce um nó na garganta, que não pára de crescer. E tudo que costumava te motivar, agora te causa profundo desdém. E só tende a piorar, até que o nó na garganta se torna tão imenso que você começa a sufocar lentamente. Então você sabe que está em crise. 
Não sei se chega a ser uma crise dos trinta, visto que tenho honrosos vinte e sete. Mas como tudo hoje em dia acontece mais cedo - culpa do aquecimento global, claro -, talvez seja uma crise associada ao que ter trinta anos representa.
Sempre achei que essa passagem mítica para a fase adulta se daria quando eu conquistasse minha independência financeira, mas não foi. Depois acreditei que ela pudesse acontecer quando eu tivesse minha casa. Também não. A minha vida inteira, eu sempre tive certeza do que queria. O que é bom, porque sempre fui muito focada. Mas também se tornou um fardo, porque fui sempre tão focada que qualquer variação do plano original se transformava em algo impossível de lidar. Agora estou tão perto de ter tudo o que sempre quis, que quase consigo sentir o cheiro da epifania que vai acontecer muito, mas muito em breve.
Porque depois de todo esse tempo travando batalhas para me tornar quem eu queria tanto ser, chego à conclusão chocante de que a carapuça já não me serve mais. Pela primeira vez em todos esses anos, eu não faço ideia da pessoa que quero ser ou daquilo que quero fazer.
Só então eu pude entender no que realmente consiste a passagem para a fase adulta. Claro que tem muito a ver com assumir responsabilidades e compreender que, em última instância, você deve contar apenas consigo mesmo. Mas também tem a ver com perder o medo de errar. Até porque, quando você assume as responsabilidades pelas suas escolhas, como um adulto deve fazer, o ônus é todo seu. Então, se der errado... bom, dane-se. 
Estou em crise. Minha vida está toda bagunçada. Minha cabeça está uma zona. Mas, de alguma forma, sinto que a faxina que está por vir será a mais revigorante de todas. Principalmente porque ela não será definitiva. Quando a gente arruma demais, não sobra espaço para o inesperado surgir. E eu estou oficialmente deixando de programar tudo. Eu quero me deixar ser surpreendida e, quem sabe, com sorte, surpreender a mim mesma.
E quando me perguntarem quais são os planos para o futuro, eu vou responder qualquer coisa, mas estarei pensando o que jamais imaginei pensar. Eu realmente só quero ser feliz. Enquanto isso, bebo um chá que eu comprei numa loja de produtos naturais, de nome poético, mas de gosto estranho. 

domingo, 13 de maio de 2012

Adoráveis parceiros


Na semana passada, saiu essa nota no jornal O Globo, na coluna da Patricia Kogut. Divido esse 10 com toda a equipe e elenco, que emprestaram seus talentos à realização de mais uma temporada de Adorável Psicose. Estou muito feliz e orgulhosa do nosso trabalho e da nossa evolução ao longo desses quatro anos - sim, porque o projeto da série começou em 2008, com basicamente o mesmo time que se mantém junto até hoje.

Aproveito esses elogios e as frequentes perguntas sobre o guarda-roupa e o cenário da série para postar a lista dos nossos parceiros. Sem eles, nosso programa não seria tão bonito de ver.

Fotos: Lilli - Maison Le Modiste
Figurino:
Diversa
Dri Trivelato
Bijoux Le Berbat
Zellig 
Rica 
Lu Karini Acessórios - vendida na Diversa
Luko
Miss Couture
Melissa 
Magic Fantasy
Ateliê Mundo da Fantasia
Aparatus Fantasia
Retrôativo Acessórios
Canvendish
Redley
My Place
Folic 

Cenário:
Le Modiste
Lá na Ladeira
Casa Fortaleza
Zelo
Editora Objetiva
Livraria Cultura
O Segredo do Vitório
JLM Papelaria
Mobicool
Marie papier
Allspazio
A festa é nossa
Coza
Uatt
Gianini
Vult

domingo, 6 de maio de 2012

Ch-ch-Changes


Tenho vinte e sete anos. Eu. Tenho vinte e sete. Anos. Não faz muito, eu tinha dezessete e me sentia a pessoa mais desajustada do universo. Ok, não do universo, mas da cidade pequena onde morava. O tempo passa rápido e é impiedoso com os que não se movem. Ainda bem que eu me movi. Falta um bocado para eu me tornar a pessoa com que sonhei na adolescência, mas tenho a tranquilidade de admitir que as coisas não vão nada mal.
Mesmo assim, a proximidade inevitável dos trinta tem me deixado mais reflexiva do que o usual. Dia desses saí com um cara de vinte e três e, pela primeira vez em toda a minha vida, me senti velha. Tudo bem, eu sei que sou nova, não estou falando isso para obter palavras de conforto. Mas é que nossa cabeça não costuma acompanhar os aniversários. Ou as rugas que brotam discretas nos cantos dos olhos - especialmente quando a gente insiste em dormir sem tirar a maquiagem. Eu me sinto uma pós-adolescente até hoje, mas a verdade é que tenho vinte e sete. E aos vinte e sete, minha mãe já tinha uma filha de quase um ano. No caso, eu.
Estou longe de pensar em ter filhos, mas trabalho todos os dias para deixar algo meu no mundo. "Mostrar ao que veio" não é só uma frase de efeito ou algo que se diz antes de uma mulata com glitter começar a sambar. É um sentimento real que com que os seres humanos têm de lidar. É uma tentativa de fazer a existência ter um pouco mais de sentido.
Outro dia, um colega roteirista se referiu a um de seus trabalhos como "não vai ser esse que vai mudar o mundo". Estava no meio de um almoço num restaurante mexicano e a digestão dos burritos retardou um pouco minha conclusão. Mas ela veio e eu não pude deixar de compartilhar, ainda de boca cheia. É pretensioso cogitar fazer qualquer coisa com o intuito direto de mudar o mundo. A menos que você seja o Martin Luther King. Ou o Hitler. Porque mudar o mundo não significa necessariamente mudar para melhor.
Pelo menos no que concerne ao campo das artes, ninguém que de fato mudou o mundo passava os dias pensando em qual seria o melhor trabalho para mudar o mundo. As pessoas que mais admiro simplesmente trabalhavam naquilo que acreditavam. E esse é o primeiro passo para qualquer tipo de mudança. O resto é pura forçação de barra.
Quanto a mim, tenho vinte e sete anos e não planejo mudar o mundo tão cedo. Me contento com as pequenas mudanças que sou capaz de promover. A começar pela minha própria vida. Quando comecei a escrever este blog, tinha acabado de pedir demissão do meu antigo emprego de assistente de produção. Meu trabalho pode não mudar o mundo, mas certamente mudou a minha vida. E, na minha humilde opinião, quando algo é capaz de mudar o status quo de pelo menos uma pessoa, então já possui algum valor.
Antes de cogitarmos a utopia de mudar o mundo, existe uma terefa muito mais simples e igualmente transformadora: mudar de analista. De resto, mantenha a calma, faça o seu e pare de mimimi.

domingo, 8 de abril de 2012

Libertas quae sera tamen um mala


Funciona mais ou menos assim. Você tem algo a dizer, então cria um espaço para se expressar. Se o seu discurso for pertinente, em algum momento, alguém vai ler. Se tiver algum mérito no que você publicou, alguém vai voltar, trazendo mais alguém. E assim por diante.
Criar um blog não é um processo complicado. Tanto que houve uma época em que todo mundo tinha o seu - mais ou menos como na época do Tamagotchi. Eu mesma tive alguns. Blogs e Tamagotchis. Os Tamagotchis, eu matei todos. Uma coisa impressionante. Eu era a genocida dos bichinhos eletrônicos japoneses. Eu era a Nataliazilla. A coisa era tão séria que foi ali mesmo que eu percebi que não tinha talento nenhum para ser mãe.
Já os meus blogs sobreviveram por mais tempo. Tive três. O primeiro era meu xodó cor-de-rosa e se chamava "As Aventuras de Charlote". Era uma fantasia em cima da vida real, que girava em torno da volta de alguém (sim, sempre envolve alguém), a quem eu chamava de Ulisses. Ainda volto com essa história. Especialmente agora que misturar fantasia e realidade tá super in. Costumo ser a precursora anônima de projetos bem sucedidos dos outros, mas deixo isso para outro post.
Meu segundo blog já não era mais cor-de-rosa. Eram textos obscuros e nada divertidos. Nunca divulguei e, felizmente, não ficou conhecido. Nem lembro o que fiz com ele. Acho que fechei. Ou ficou para o mundo, além do meu controle.
Então veio o Adorável Psicose. Comecei do mesmo jeito que comecei os outros e do mesmo modo que todo mundo começa o seu blog. As ferramentas estão disponíveis para todos, a internet é pura democracia. O que fazer com essa voz, aí sim não é para todos.
O problema dessa liberdade cibernética é que ela funciona como um microfone ao fim da palestra. De posse desse microfone, o público não apenas se vê no direito de acrescentar algo pertinente. Ele se sente no dever de falar absolutamente qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo. E não tem exemplo melhor do que o campo dos comentários. Não me levem a mal, sempre me orgulhei de dizer que os leitores desse blog costumam trazer boas contribuições. Aliás, eu conheço por nome alguns de vocês, que me visitam desde os primórdios de Adorável Psicose.
Mas com a chegada da série de TV, a coisa desandou. Alguns comentários que venho recebendo por aqui são a prova de que a liberdade de expressão jamais deveria ser dada aos que não têm nada para expressar. Porque na evidente falta de algo consistente para dizer, a opção mais fácil é atacar. O que, para mim, não faz sentido nenhum, porque ninguém é obrigado a ler esse blog. Aliás, para chegar até aqui, a pessoa precisa realizar o mínimo - porém relevante - esforço de digitar um endereço na barra do navegador. E dar enter.
E aí chegamos ao ponto crucial dessa questão. Algumas pessoas são capazes de usar as ferramentas da democracia virtual e, de fato, construir alguma coisa. Outras, no auge do desespero por um pouquinho de voz, grudam como carrapatos nas costas dos que realmente criam, chupam seu sangue e depois reclamam que estava muito ralo, muito amargo, muito doce.
A eles, eu lembro: liberdade de expressão é um privilégio, não uma desculpa para fazer do mundo sua lixeira particular. Quando sentir aquela vontade tecer um comentário, lembre-se de dar uma passadinha no banheiro antes. De repente, você já se resolve por lá.

segunda-feira, 26 de março de 2012

One is the loneliest number


Eu sei que deveria ser mais grata por tudo que a vida tem me dado, mas quer saber? A vida é uma cadela manca e raivosa. E se eu consegui alguma coisa até hoje foi porque tive que brigar muito pra tirar o naco de carne dos dentes dela.
Eu não estou feliz. Mentira. Não estar parte do pressuposto de que algum dia eu já estive. E nunca houve esse dia. Pelo menos não um dia inteiro. Talvez algumas poucas horas. Mas como vocês já sabem, a vida é uma cadela.
Amanhã eu faço vinte e sete anos, estou atulhada de trabalho até o pescoço e sem absolutamente nenhuma vontade de comemorar. O que eu realmente queria fazer amanhã? Me teletransportar para um lugar bem longe, onde as pessoas saem na rua usando chapéu. Sem ser o México, tá? Eu ficaria ridícula de sombrero. Ou qualquer lugar sob o domínio do Taliban. Eles não têm muito senso estético para o design de chapéus. Vamos nos restringir aos países da Europa. A parte cinematográfica e chique da Europa.
Eu iria a Paris agora, não fosse pelo pequeno inconveniente de ter cinco projetos em andamento. Eu tenho cinco malditos projetos em andamento e nenhum convite para sair no fim de semana. Cinco raios de projetos em andamento e nenhum homem na minha cama.
Não me levem a mal, eu sei que minha cama é super frequentável. Eu sou super frequentável. O problema é esse resquício de crença que eu tenho nessa porcaria de - eu não acredito que vou dizer isso - amor. É um saco ter que admitir, mas eu espero encontrar alguém.
E quem é alguém? Alguém é uma entidade mitológica, que costuma aparecer algumas - poucas - vezes na vida de cada ser humano. Alguém pode estar em qualquer lugar, onde você menos imagina, inclusive aí do seu lado. Mas não adianta procurar muito, porque reza a lenda que alguém só aparece quando você menos espera. As histórias são muitas. Ouvi dizer que se você gritar "alguém" três vezes na frente do espelho, ele aparece e se casa com a sua melhor amiga.
Mas mesmo sabendo que essa pessoa mitológica não existe, eu me recuso a desapegar do conceito. Porque, apesar daquilo que eu finjo ser na maior parte do tempo, apesar do discurso cínico que eu costumo dar sobre a impossibilidade dos relacionamentos, eu continuo com os dedos cruzados, torcendo pelo dia em que alguém vai aparecer e me provar que eu estava errada.
Amanhã eu faço vinte e sete anos e tenho cinco projetos em andamento. São bons números, eu deveria querer comemorar. Mas a vida é uma cadela. E eu não estou feliz. Porque quando eu fecho os olhos e imagino o futuro, eu vejo a França, vejo chapéus, vejo projetos em andamento e quem sabe algumas horas felizes. Mas também vejo um número solitário que irá me acompanhar ao longo dos fins de semana, da mesa do restaurante até a minha cama.
Paciência. Talvez alguém seja ocupado demais para aparecer na vida de todos.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Só se for bengay

Porque certas coisas nunca saem de moda.









E a minha preferida, é claro:

domingo, 11 de março de 2012

Old style


A loja está em liquidação. Todas as peças com 80% de desconto. A mulherada avança ensandecida em direção às araras, enquanto eu flerto graciosamente com um vestido que repousa, lânguido, sobre um dos cabides. Vou até ele, tentando não demonstrar a ansiedade que me consome - mas, principalmente, tentando não chamar muito a atenção das outras mulheres -, e inicio o contato físico. Minha pele aprova. A atração é inegável e não me resta outra saída senão sucumbir aos meus desejos. É quando ouço em minha mente um som de disco arranhando.
"Esse vestido é da coleção nova", avisa a vendedora, vaca quebradora de clima.
Se você chegou neste ponto do texto e vem a ser um homem heterossexual, eu explico. "Coleção nova" não significa apenas que o vestido não está com 80% de desconto. Significa que ele custa uns 80% a mais do que o preço considerado razoável. Significa que você foi vítima da pegadinha mais clássica da queima de estoque: se apaixonar pela roupa errada.
Eu sempre faço isso. Me coloca numa sala com trezentos vestidos e eu só vou olhar para aquele está além do meu orçamento. Transponha essa situação para a vida afetiva e voilà. Temos aí o cerne da minha infelicidade no amor.
Mas não é que eu escolha errado. As roupas da coleção nova são ótimas e vestem bem. Só que geralmente custam caro. É como se o preço que pagamos por elas estivesse associado ao capricho de possuirmos algo difícil. Queremos conquistar mais do que uma mera peça em liquidação. Queremos algo especial.
Pelo que me lembro, nunca me apeguei a homens em ponta de estoque. Aqueles rodados, que circulam por vários corpinhos, dos gorduchos aos mais sarados, sem nunca encontrar quem lhes vista bem. Eu gosto das peças únicas, que você bate o olho e sabe logo que são diferentes. Aquelas que você tem tanta certeza de que vão dar certo que poderia levar para casa sem nem experimentar.
O problema é que os homens da coleção nova são superestimados. E aquele encantamento inicial da loja se dissipa nas primeiras falhas que você encontra na costura. Ou quando repara em um corte equivocado na manga. Alguns desbotam na lavagem, outros deixam manchas no restante das roupas. Assim, o investimento na conquista de alguém que consideramos ser uma peça especial nem sempre vale a pena.
É por isso que há tempos não faço compras. Não chego a dizer que é por medo de me decepcionar com os vestidos que se encontram por aí nas araras. É mais por preguiça de experimentar à toa. Por cansaço mesmo.
Na falta de tempo e de paciência, talvez valha mais a pena sair carregando vários com 80% de desconto. Pelo menos assim não criamos expectativas. Sabemos que o material não é de qualidade e que não vai durar.
Sem querer ser saudosista, ainda mais de uma época que eu não vivi, mas o fato é que não se fazem mais roupas como antigamente. E apesar dos sombrios tempos da descartabilidade, na moda e no amor, eu sigo old style.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Felicidade, tomates podres e Tom Jobim


Nós somos claramente responsáveis pelas consequências das nossas atitudes. Como há duas semanas, quando me dei conta de que tinha guardado a conta de luz de dezembro e esquecido de pagar. Foram três horas vivendo na Era pré-Thomas Edison, em um dia cheio de textos deixados para a última hora.
Nós também somos responsáveis pelo que dizemos - e pelo que deixamos de dizer. Sou pentacampeã mundial na categoria falar coisas horríveis sem pensar. E, na maioria das vezes, o arrependimento vem durante o vômito de palavras inconsequentes, raramente acompanhado de um pedido de desculpas. Porque sou hexacampeã em orgulho idiota.
Nós somos responsáveis - ou pelo menos tentamos ser responsáveis - por uma lista infindável de obrigações morais. Não conseguimos nem nos livrar daqueles que cativamos. Como decretou Saint-Exupéry em "O Pequeno Príncipe", somos eternamente responsáveis por essa gente. E eu sei bem disso, pois não suporto a ideia de que exista alguém no mundo que não goste de mim.
A justificativa para todas essas responsabilidades, incluindo a de ficar magra, bem vestida, ter um trabalho apaixonante e uma pessoa incrível para amar e ser amado, é chegar a algo próximo do que se considera "felicidade".
Mas será que, assim como nossas contas para pagar, nós somos os únicos responsáveis por nossa própria felicidade?
É natural pensarmos que não. Aprendemos desde cedo, na escola, que os seres humanos dependem de outros seres humanos. Lembro da professora de "Atualidades" falando sobre como o comércio é uma das provas de que não somos autosuficientes. Nós precisamos trocar para sobreviver.
E seguindo essa lógica, seria, de fato, impossível ser feliz sozinho. Tom Jobim devia concordar com a minha antiga professora de "Atualidades". De repente eles até já se pegaram. Isso explicaria muita coisa do que ela dizia nas aulas.
De todo modo, se eles estiverem certos - minha professora de "Atualidades" e o Tom Jobim - então a felicidade está fora da nossa esfera de responsabilidade. Nós dependemos da troca com outros seres humanos para sobreviver. Nós dependemos do quanto os cativaremos e do quanto seremos cativados por eles. Nós dependemos das suas escolhas, das suas palavras e das consequências de suas atitudes. E, por isso, meus caros, seja como for, a culpa por nossos infortúnios jamais haverá de ser nossa.
Ufa.
Acontece que, ao nos livrarmos do terrível peso de sermos os únicos responsáveis por nossa própria felicidade, adquirimos outras cargas, tão trambolhudas quanto. Como a autopiedade, por exemplo. Culpar o mundo pelas injustiças sofridas, lamuriar-se pelas tristezas vivenciadas, sofrer, sofrer, sofrer, e depois sofrer mais um pouco é o que os seres humanos fazem quando isentos da responsabilidade de serem felizes.
Ok, nós precisamos da troca com outros seres humanos. Nós damos batatas e recebemos tomates de volta. Só que se os tomates vierem todos podres, cabe somente a nós decidir o que fazer com eles. Podemos sentar e chorar, nos vitimizar, repetir que "só acontece comigo", que "é sempre assim", "ó vida, ó azar"... ouuu - e sim, existe um ou - podemos elegantemente juntar os tomates podres, jogá-los na lixeira e fazer o melhor que nos for possível com as batatas que restaram na despensa.
Não digo que é um trabalho simples. É milhões de vezes mais tentador chorar pelos tomates podres no chão. Eu, por exemplo, seria uma suicida nata, não fosse pelo meu egocentrismo exacerbado. Sou boa demais para morrer, seria um desperdício. Mas tenho total consciência de quando escolho ser infeliz. É aquela fração de segundo em que você deliberadamente opta pelo sofrimento. Você tinha escolha, mas preferiu a habitual dose de autodestruição e autopiedade. E é quase compreensível. É muito mais fácil ser infeliz.
Para tentar ser feliz, você precisa assumir responsabilidade pelas trocas efetuadas com outros seres humanos. Para o bem e para o mal, você é o único responsável pela forma como essas negociações te afetam. Já para ser infeliz, você não precisa fazer absolutamente nada. É só esperar um pouco que os tomates podres virão. E eles virão aos montes.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

"Hang on to your ego"


Estava conversando com um amigo novo. Não que eu acredite em novas amizades, muito menos em amizades entre homens e mulheres. Mas eu estava conversando. Com um cara.
A questão é que ele possui algumas semelhanças assustadoras comigo - especialmente no que concerne às inseguranças e paranoias. Não que eu me importe em ouvir as lamúrias alheias. Na verdade, eu adoro. Faz eu me sentir menos miserável e mais parte de uma comunidade global do eterno sofrimento humano.
De toda forma, lá estava eu, ouvindo meu novo amigo heterossexual e atraente falar sobre como ele é inseguro e sobre sua visão deturpada de si mesmo. E enquanto ele descrevia seus medos de ser desinteressante, enfadonho e mal apessoado, eu não pude deixar de pensar em como toda aquela loucura derivava de um ego enorme.
E justamente por me identificar com todo aquele drama, a associação de ideias foi inevitável. Eu era como ele. E por trás das minhas inseguranças e do meu complexo de inferioridade, escondia-se um narcisismo exacerbado e uma enorme capacidade de passar horas pensando em mim mesma.
Sim, porque uma pessoa deliberar sobre seus próprios defeitos e incapacidades não deixa de ser uma forma torta de passar uma boa quantidade de tempo circulando pelo seu próprio umbigo. E eu sou essa pessoa.
A vantagem é que, pouco a pouco, eu vou me curando das minhas insanidades. A desvantagem é que um dia desses eu vou ter alta e vocês bem vão sentir minha falta.
Não vão?

MÚSICA enviada por outro cara. Não exatamente um amigo, nem exatamente novo, mas com excelente gosto musical.
 
Designed by Thiago Gripp
Developed by Márcia Quintella
Photo by Biju Caldeira