Não sei quanto a você, mas eu bato portas. E eu não digo isso de maneira metafórica. Eu realmente sinto um prazer sadomasoquista em adentrar um recinto, em meio a uma discussão calorosa, e bater a porta na cara do meu interlocutor. Geralmente quando estou perdendo essa mesma discussão. Caso contrário, eu jamais deixaria o outro recinto. Porque se tem uma coisa que eu gosto mais do que bater portas – e olha que eu realmente gosto de bater uma portinha –, essa coisa é ganhar.
Na verdade, não é que eu goste tanto assim de ganhar. Ok, eu gosto de ganhar. Você gosta de ganhar. Todo mundo gosta de ganhar. Isso é óbvio. Mas o fato é que eu ligo muito menos para ganhar do que eu ligo para não perder. Eu realmente detesto perder. Eu odeio perder. Eu odeio muitas coisas nessa vida, confesso. Mas perder é algo inadmissível, insuportável, indigesto.
Quando eu era pequena – ok,
quando era criança, porque pequena eu nunca fui –, e jogava War com os
coleguinhas, fazia algo de que não me orgulho muito. Eu não sei se você já
jogou ou se lembra de como era, mas quando uma pessoa começa a perder no War,
dificilmente consegue se recuperar. Vai perdendo território atrás de
território, até não sobrar mais nada. Até a humilhação completa. E quando eu
percebia que estava sem saída, em vez de aceitar minha derrota com classe e elegância,
eu me levantava da mesa, bagunçava o tabuleiro todo e me retirava do recinto.
Provavelmente batendo alguma porta no caminho.
Faz tempo que não jogo War, mas minha postura diante das adversidades permanece muito semelhante. Por exemplo, digamos que eu estivesse saindo com um cara ótimo que dizia não estar pronto para um relacionamento, porém, dias depois mudou o status no Facebook para fulano-está-em-um-relacionamento. No caso, com outra. Por mais que eu forçasse um sorriso polido quando o encontrasse por aí, um sorriso semelhante à sequela de um derrame, por dentro eu estaria me levantando da mesa, bagunçando o tabuleiro do War e batendo todas as portas da casa.
Faz tempo que não jogo War, mas minha postura diante das adversidades permanece muito semelhante. Por exemplo, digamos que eu estivesse saindo com um cara ótimo que dizia não estar pronto para um relacionamento, porém, dias depois mudou o status no Facebook para fulano-está-em-um-relacionamento. No caso, com outra. Por mais que eu forçasse um sorriso polido quando o encontrasse por aí, um sorriso semelhante à sequela de um derrame, por dentro eu estaria me levantando da mesa, bagunçando o tabuleiro do War e batendo todas as portas da casa.
Mas já faz algum tempo que
não saio com caras-ótimos-que-na-verdade-são-sempre-péssimos. Há algum tempo eu
moro com um cara ótimo que continua sendo ótimo. O que é ótimo! As únicas
discussões que tivemos até hoje foram por razões estúpidas e sempre iniciadas
por mim, que sofro de um vício incontrolável de bater portas.
Sim, meu nome é Natalia e
eu sou uma batedora de portas. Poderia ser pior. Eu poderia estar matando, eu
poderia estar rouband...ok, bater portas é ridículo. Eu sei que é ridículo, eu
compreendo racionalmente o quão infantil é abandonar um cômodo da sua
residência e entrar em outro ao som de uma batida de porta. E a coisa toda fica
muito mais ridícula quando se mora em um sala e quarto de quarenta metros
quadrados. Quer dizer, não tem muito para onde ir, nem muitas portas para se
bater.
Todo o drama envolvido no batimento de uma porta consiste no silêncio e no desconforto que se seguem após a batida. Mas quando o único banheiro da casa está no cômodo onde a batedora de portas se encontra, o drama acaba tendo que ser encurtado em razão de necessidades fisiológicas. A menos, é claro, que o interlocutor fosse ainda mais infantil e doente que a batedora de portas e decidisse se vingar fazendo as necessidades fisiológicas no sofá. O que até a presente data ainda não ocorreu.
Todo o drama envolvido no batimento de uma porta consiste no silêncio e no desconforto que se seguem após a batida. Mas quando o único banheiro da casa está no cômodo onde a batedora de portas se encontra, o drama acaba tendo que ser encurtado em razão de necessidades fisiológicas. A menos, é claro, que o interlocutor fosse ainda mais infantil e doente que a batedora de portas e decidisse se vingar fazendo as necessidades fisiológicas no sofá. O que até a presente data ainda não ocorreu.
Quando um casal vive junto,
o relacionamento entra em um outro nível. É muito diferente de quando se sai em
encontros ou mesmo quando se namora. Você convive com o melhor e o pior de
alguém, diariamente. Quando se discute ou se briga, não existe a possibilidade
de cada um ir até a sua casa respirar fundo e ponderar. No meu caso, não existe
sequer a possibilidade de cada um ir para um cômodo respirar fundo e ponderar.
Tenho uma micro-cozinha americana linda, porém minúscula. E em algum momento
alguém precisaria passar pela sala para abrir a geladeira e tomar uma água.
Isso sem contar com a
divisão territorial da cama. Admito ser viciada na adrenalina de uma pequena
discussão, mas, de alguma forma, o casal precisa se entender antes de dormir. É
extremamente desconfortável fazer do seu colchão uma faixa de Gaza. Por mais
orgulhosa que eu seja, dormir brigada é algo que considero fora de questão.
Vamos ficar acordados até nos matarmos, mas se for para dormir, quero paz.
Deve ser por isso que
minhas brigas nunca chegaram a durar muito. Seria inviável manter uma discussão
por dias. Claro que eu ainda bato umas portinhas de vez em quando, mas tenho
aprendido que admitir que estou errada não significa, necessariamente, perder
uma discussão. Ok, mentira. É claro que significa. Mas perder uma discussão não
significa, necessariamente, que você deixou de ganhar algo.
Quando você se levanta, bagunça
o tabuleiro e se retira do recinto, você divide sua insatisfação com os outros
jogadores, que provavelmente também vão terminar a partida bastante frustrados.
Mas só porque ninguém venceu, não significa que você não tenha perdido. Aceitar
que não se pode ganhar todas é uma conquista gigantesca
Ao bater portas,
literalmente ou não, você se fecha para o diálogo, para a compreensão e, em
última instância, para o seu crescimento. A obsessão por estar sempre certo e
por não perder nunca é o que acaba, ironicamente, impedindo alguém de ganhar
tantas outras coisas. Siga o conselho de uma batedora de portas. Vez por outra,
vale mais a pena abri-las.
(Texto escrito para Lola Magazine, publicado na edição de abril/2012)